Madrugada fria

Conheci Daniela na sexta à noite. De cabelo grande, mas preso, com um rosto muito branco e de marcas de espinhas. Ela era a atendente do boteco, quem dava sorriso pros clientes bêbados que vinham pedir no balcão mais uma cerveja.

A primeira vez vi só uma mulher naquele corpo grande, de camisa branca, calça jeans e de olhos atentos aos pedidos da madrugada. Depois, percebi que a moça, mesmo no curto espaço que a separava do balcão ao freezer das cervejas, puxava uma perna.

Ilustração Poletti

 

 

Daniela anda com dificuldade. Mais pro fim da noite, olhei quando ela saiu de trás do balcão e foi recolher as cadeiras da mesa última que ainda estava na calçada do bar. Um grupo de homens conversava sobre um filme/série. Estavam alegres e com muitas cervejas dentro. Passei por eles e fui ter com a Daniela.

Você machucou a perna? Perguntei. Com dor, ela disse que está com um problema num tendão, “mas que ainda não teve tempo de olhar”. Falou que ficou 2 meses sem doer, mas que naquela noite, em que trabalhava desde 18 horas, voltava a doer. E muito.

Ela recolheu as cadeiras. Levou duas de uma vez só. Com o mesmo sorriso que recebeu a gente quando chegamos. Antes que ela voltasse, recolhi a mesa de plástico e levei pra dentro do bar.

A última mesa de plástico.

A última vez que conversei com Daniela foi muito rápido, quando paguei a conta – olhei mais para o rosto dela. Aquela mulher era uma menina, esse rosto de espinhas e essa madrugada tão fria.

Ai, Daniela, a sua solidão me dói.

O sol das três da tarde

Cruzei com um moço parado, de pé, perto da porta de um banco. Já quase terminando no caixa eletrônico, reparei que o rapaz da entrada estava, agora, atrás de mim, próximo. Saquei um dinheiro e fui saindo, quando ele se aproximou ainda mais e disse bem baixo: “Oi, você pode depositar um dinheiro pra mim?”. Magro, de bermuda e camisa, aparentava ter mais de 40 anos. Eu disse que podia, sem bem entender, ainda, se ele queria que eu colocasse dinheiro meu pra ele ou… Ele logo estendeu o braço e me entregou um envelope fechado.

E continuou falando baixinho: “É só você colocar nesta conta aqui”, e me passou um papel com uma letra diferente da do envelope com o dinheiro. Li o nome anotado junto à conta no papel e quis saber: Você é o Antônio Costa? “Sim, o dinheiro é pra mim mesmo”. Perguntei a ele pelo cartão do banco, ele não tinha. “Mas não precisa, não, dá pra depositar sem cartão”, explicou. “Deposita na minha poupança, por favor?”.

Na hora de colocar o valor, eu lembrei que ele ainda não me havia falado. “Moço, é 15 reais que tem no envelope”. E abaixou a cabeça, depois de olhar pro lado. Eu terminei, ele esperou o comprovante sair. Antônio, miúdo, até então, muito sério, abriu um sorriso e me agradeceu. E já logo foi saindo do banco, como se estivesse com pressa, muita pressa para o sol das três horas da tarde. Fazia muito sol em Belo Horizonte, às três horas da tarde.